Gustavo Marcelo Rodrigues
Daré*
*Médico psiquiatra;
aluno do curso de homeopatia do IHFL Homeopata (gmadea@ig.com.br)
INTRODUÇÃO
Não há nenhum ponto mais polêmico da doutrina homeopática
do que a teoria hahnemanniana sobre miasmas crônicos. No tempo de
Hahnemann, ela foi objeto de críticas vorazes por parte dos médicos
alopatas e motivo de celeumas profundas entre os homeopatas, incluindo
os discípulos diretos do mestre (17, 32).
Desde então, vários homeopatas de renome tentaram responder
à perplexidade do meio homeopático escrevendo suas interpretações
pessoais sobre o tema, o que, mais do que qualquer outro assunto, colaborou
para a formação de diversas escolas particulares dentro da
Homeopatia (13, 17, 29, 46). São os “organicistas”, “psicologistas”,
“unicistas”, “pluralistas”, “complexistas”, “altistas”, “baixistas”, “especificistas”,
“kentistas”, “ocultistas”, etc. (11,12). Muito mais do que diferenças
no modo de interpretar o medicamento homeopático, diferem em suas
teorias sobre os miasmas crônicos e conseqüentes diagnósticos
e terapêuticas.
Devido à enorme influência que a “descoberta” dos miasmas
crônicos de Hahnemann teve, e continua tendo, sobre a história
da Homeopatia e sua prática, desde a primeira publicação
do livro Doenças Crônicas, em 1828, até os dias atuais,
é fundamental revermos esse assunto a partir da óptica de
seu próprio autor.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado um estudo textual e comparado dos escritos mais importantes
de Hahnemann para se obter idéia mais fidedigna e integral possível
de seus conceitos sobre doença, saúde e miasmas. Em um momento
seguinte, foram analisados os dados disponíveis em livros-textos
atuais consagrados e em artigos científicos publicados em revistas
indexadas ao Medline sobre doenças crônicas e suas etiologias.
Por fim, compararam-se ambas as fontes de conhecimento, levando-se em consideração
o contexto social e temporal de cada uma.
CLASSIFICAÇÃO DAS
DOENÇAS SEGUNDO HAHNEMANN
Primeiramente, é importante perceber em que contexto se encontram
os miasmas crônicos dentro do universo hahnemanniano.
Para ele, as doenças crônicas podem evoluir como processos
contínuos, como doenças intermitentes (a evolução
intermitente que domina a maioria das conhecidas doenças crônicas
do mundo acadêmico - a Artrite Reumatóide, p. ex.), como doenças
alternantes, “em que certos estados mórbidos se alternam em períodos
indeterminados com outros de espécie diferente” (apesar de ser um
fenômeno tão freqüentemente observado por quem cuida
de pacientes crônicos, ainda não é inteiramente aceito
pela medicina acadêmica).
Doenças agudas intercorrentes, as que “atacam os homens individualmente
através de influências prejudiciais às quais
esses indivíduos já se expuseram especificamente”, podendo
ser essas influências: “excessos ou deficiências alimentares,
impressões físicas intensas,... excitações
psíquicas, emoções, etc.”, as quais, “na maioria das
vezes, são somente a explosão passageira da Psora Latente
(doença crônica não-venérea)”. Podemos inferir,
entre os fenômenos observados por Hahnemann,
enfermidades como a infinidade de doenças alérgicas, dispepsias,
herpes labial recorrente, etc.
Doenças esporádicas, as quais “atacam diversas pessoas ao
mesmo tempo, aqui e ali, por ocasião de influências meteóricas,
telúricas ou agentes nocivos, sendo que somente alguns indivíduos
são suscetíveis”. Merece, aqui, ênfase o uso do conceito
de suscetibilidade de Hahnemann, sem fazer dele sinônimo de miasma
crônico.
Miasmas agudos peculiares, que “retornam sempre da mesma forma”, que o
próprio Hahnemann exemplificou com a varíola, o sarampo,
a coqueluche, a caxumba, etc.(19 – § 72 e 73).
Além dessas doenças naturais, Hahnemann sempre combateu as
doenças medicamentosas, tão comuns ainda hoje; estudou profundamente
as intoxicações e reconhecia a existência de doenças
cirúrgicas, como corpos estranhos, lesões vasculares traumáticas,
etc.(19).
É fácil perceber, diante desta simples classificação,
que Hahnemann não fez das doenças crônicas uma panacéia
que explicaria todas as patologias humanas.
CAUSAS DAS DOENÇAS
Para Hahnemann, uma doença natural sempre será multifatorial,
com fatores intrínsecos e extrínsecos a se justaporem
à reação vital muito particular de cada indivíduo:
esses agentes “são em parte físicos e em parte psíquicos...
mas é necessário que um bom número de circunstâncias
e condições relativas tanto aos agentes morbíficos
quanto ao indivíduo... se conjuguem antes que a doença seja
produzida”. Há, ainda, a necessidade de que “estes agentes externos...
nos assaltem em um grau muito acentuado” e que “nosso organismo tenha um
lado particularmente impressionável, um lado fraco (predisposição)”
(20). Isso demonstra o valor relativo que Hahnemann dava a cada fator patogênico
isoladamente, mesmo em se tratando dos miasmas (fatores extrínsecos).
Quanto à participação e importância de cada
fator causal sobre a doença resultante, ele distingue: causa occasionalis,
como fatores desencadeantes ou causas materiais imediatas (cheiro forte
de flores, ruptura arterial, cálculo vesical, etc.); circunstâncias
acessórias (“constituição física” do paciente,
“seu caráter com seu psiquismo e mente, suas ocupações,
seus hábitos e modo de vida, suas relações sociais
e domésticas, sua idade e função sexual, etc.”); e
causa fundamental, formada, nas doenças crônicas, basicamente,
pelos miasmas crônicos (19 – § 5 a 7).
Nitidamente, Hahnemann diferencia, nestes parágrafos do Organon,
miasmas e, em particular, miasmas crônicos, de fatores psicológicos,
apesar de toda sua abordagem psicossomática intransigente e tão
moderna reconhecer “doenças mentais e psíquicas que nada
mais são do que doenças do corpo nas quais o sintoma peculiar
da alteração mental e psíquica aumenta, ao passo que
os sintomas do corpo diminuem” e doenças “que se desenvolvem a partir
do psiquismo, como uma ligeira indisposição mediante ansiedade
prolongada, preocupações, vexames, insultos e freqüentes
e fortes motivos para medo... doenças psíquicas que foram
primeiramente trabalhadas e mantidas pela alma, enquanto ainda recentes
e antes de terem perturbado em demasia o estado físico”. Ele chega
a afirmar que “jamais se poderá curar... se não se observar,
simultaneamente (às alterações orgânicas),...
mesmo nos casos de doenças agudas, o sintoma das alterações
mentais e psíquicas”, determinando o estado psíquico do doente,
“muitas vezes e principalmente, a escolha do medicamento homeopático”
– não porque seja o único verdadeiro fator determinante da
doença, mas porque o estado psíquico, “entre todos (os sintomas),
é o que menos pode permanecer oculto ao médico observador”.
Hahnemann ratifica essa posição ao classificar os medicamentos
homeopáticos não segundo sua atmosfera psico-mental, mas
segundo a sua cobertura miasmática, em “antipsóricos” e “apsóricos”,
medicamentos capazes ou não de tratarem uma doença crônica
não-venérea em sua “causa fundamental”.
O QUE SÃO OS MIASMAS CRÔNICOS?
Em contraposição à visão excessivamente mecânica
da medicina de seu tempo e em vanguarda quanto aos progressos das ciências
biológicas que ocorreriam decênios depois, Hahnemann utiliza
exaustivamente os termos “não-material” e “dinamicamente”, querendo
ressaltar a natureza invisível a olho nu da maioria dos agentes
“morbíficos”, dos fenômenos internos do organismo e das influências
externas exercidas sobre este, assemelhando-se “à força de
um ímã quando atrai poderosamente um pedaço de ferro”
ou “como uma criança com varíola ou sarampo transmite à
outra que esteja próxima sem que haja contato” (19 – § 11).
E toda influência exercida por meios invisíveis é definida
como contágio.
Antevendo o que seria chamado de Farmacodinâmica, afirma que mesmo
a ação dos tóxicos e medicamentos em doses ponderáveis
se faz no organismo por meios “invisíveis” normalmente – “imaterial”
e “dinâmica” (20).
Percebe-se, nestas breves citações, uma série de fatores
hoje ditos “materiais”, apesar de “invisíveis”, como as moléculas
das substâncias, os vírus e o campo eletromagnético.
Mas Hahnemannam enumera outros exemplos que ainda nos dias atuais são
considerados “imateriais” ou de natureza desconhecida como a ação
do medicamento homeopático: no “medicamento dinamizado o mais possível...
segundo cálculos realizados, haverá tão pouca substância
material que sua pequenez não pode ser imaginada... nem pela melhor
cabeça de matemático” (19 – § 11); ou a influência
psicológica: “Se você vê algo repugnante e sente vontade
de vomitar... não foi, unicamente, o efeito dinâmico do aspecto
repugnante sobre a sua imaginação?... quantas vezes já
não houve casos de uma palavra ofensiva provocar uma perigosa febre
biliosa ou uma profecia de morte ocasionar um falecimento na hora anunciada?”
(19 – introdução).
Miasma, na época de Hahnemann, era “toda causa de natureza contagiosa,
aguda ou crônica, imperceptível aos sentidos do observador”
(12). Já pelos exemplos apresentados, devemos ter em mente o sentido
extenso e multifacetado que o vocábulo miasma da obra hahnemanniana
ganha no contexto do homem moderno. Por isso, para cada miasma definido
por Hahnemann, precisamos estudar todo o fenômeno descrito como estando
associado a ele para que possamos lhe dar a mais justa equivalência
dentro do conhecimento contemporâneo, seja este acadêmico ou
não.
Em uma época em que apenas uma doença miasmática crônica
era conhecida – a Syphillis (19 – § 79 e 80, 17, 12), Hahnemann consegue
identificar três: Syphillis, Sycosis e Psora; deixando, implicitamente,
o terreno aberto à descoberta de outros “miasmas crônicos”:
“tanto quanto se sabe, segundo todas as investigações, são
encontrados apenas três miasmas crônicos... dos quais originam-se,
se não a totalidade, a maioria das doenças crônicas”
(21, prefácio do quinto volume). De certa forma, se a extensa
lista de diagnósticos nosológicos para as doenças
crônicas da atualidade, incluindo doenças infecciosas, demonstra,
de um lado, a ânsia científica de a tudo catalogar, comprova,
por outro, a necessidade de individualização e discriminação
exigidas por Hahnemann e pela realidade da sua descoberta:existência
de vários “miasmas crônicos”.
Todas os miasmas crônicos por ele descobertos se manifestariam, inicialmente,
por sintomas locais dos quais derivaram seus nomes.
A Syphillis tem como sintoma local o cancro venéreo e/ou o bubo.
A descrição de Hahnemann do cancro inicial é compatível
com o que se reconhece atualmente como cancróide, causado pelo Haemophilus
ducreyi: “aparece entre o 7º e 14º dia após um coito...
principalmente no membro infectado com o miasma... (como) uma pequena pústula
que se transforma em úlcera impura com bordas em relevo e dores
aferroantes... se não curada, permanece impassível no mesmo
local durante a vida toda... apenas aumentando com o passar dos anos” (21).
Após um tratamento exclusivamente local (cauterização,
p. ex.), a doença venérea parece curada, mas, logicamente,
o fator causal (o miasma crônico) não foi removido; Hahnemann
diz ser possível diagnosticar esse estado através das características
da cicatriz: “azul, avermelhada ou descolorida”.
Se não for tratada através de um medicamento interno homeopático,
a Syphillis reaparecerá sintomaticamente, normalmente complicada
por outra doença crônica. Praticamente todos os achados clínicos
listados por Hahnemann nessa última fase são identificados
nas diversas manifestações da sífilis, desde a sífilis
primária, a secundária, sífilis recidivante e sífilis
tardia (15, 60): “úlceras dolorosas e aferroantes das amígdalas;
manchas redondas de cor acobreada que escasseiam pela epiderme; espinhas
eruptivas que não coçam, principalmente no rosto, com
base vermelho-azulada; úlceras cutâneas indolores no escalpo
e pênis, que são lisas, pálidas, limpas, apenas cobertas
com muco e quase homogêneas em relação à pele
saudável; dores noturnas perfurantes nas exostoses”. “Estes sintomas
secundários são tão mutáveis que seu desaparecimento
temporário não dá certeza de sua extinção
completa” (21). Kent acrescenta a esta lista de Hahnemann sintomas psíquicos
e mentais que completariam as manifestações psiquiátricas
da sífilis terciária (28).
Da mesma forma que enfatizará quanto à Psora, também
aqui Hahnemann lembra que a permanência do sintoma local inicial
não garantia a não progressão do miasma: os sinais
da Syphillis complicada surgirão, “podendo o sintoma local ainda
estar presente ou ter sido removido por aplicações locais”
(21).
A união que Hahnemann faz do cancróide e da sífilis
em uma única doença venérea é facilmente explicada
se lembrarmos do Cancro de Rollet, onde há uma infecção
concomitante pelo Haemophilus e pelo Treponema e a úlcera genital
surge com as características do cancróide, transformando-se,
ao longo do tempo, em um típico cancro duro.
A Sycosis, também chamada “doença da verruga do figo”, inclui,
entre seus sintomas locais iniciais, a própria verruga genital característica
do Papilomavírus e a “blenorragia sicótica”: “um tipo especial
de gonorréia em que a descarga, desde o começo, é
mais consistente, como pus... a micção é menos difícil,
mas o corpo do pênis está inchado e mais ou menos duro; em
certos casos, o pênis também está coberto por tubérculos
glandulares na parte posterior e se apresenta muito dolorido ao toque”
(21). Na “blenorragia sicótica”, Hahnemann faz uma descrição
quase completa do que se conhece hoje por uretrite gonocóccica e
suas complicações locais, incluindo a postite e balanopostite,
litrites e cowperitis. Não podemos nos esquecer de que, da mesma
forma que ocorre com a sífilis e o cancróide, a gonorréia
pode surgir associada a outra uretrite não gonocócica – em
particular, uretrites por Chlamydia trachomatis.
Hahnemann não desenvolve muito as manifestações secundárias
da Sycosis, o que foi observado até por um de seus mais fiéis
discípulos tardios – Boenninghausen (5): “excrescências similares
(à verruga do figo) em outras partes do corpo, esbranquiçadas,
esponjosas sensíveis, elevações achatadas na cavidade
bucal, sobre a língua, palato e lábios” – Hahnemann
parece limitar-se a descrever os locais e as formas possíveis das
infecções mucocutâneas pelo Papilomavírus –
“tubérculos... marrons e secos nas axilas, no pescoço, escalpo...
e outros transtornos... dos quais só farei menção
à contração dos tendões dos músculos
flexores, especialmente dedos” (21). Esta última parte, muito mais
obscura do que a anterior, faz lembrar, pelo menos, quanto às lesões
tendíneo-articulares, as manifestações da Síndrome
de Reiter, artrite reativa associada à infecção prévia
por Chlamydia. Kent reforça essa impressão de, mais uma vez,
dois agentes infecciosos fundidos na descrição de um mesmo
miasma crônico, quando completa as manifestações tardias
da Sycosis com os seguintes achados: morte prematura dos conceptos, esterilidade,
perimetrites agudas e crônicas, metrites, ooforites, etc., artrites
raramente acompanhadas de grande edema, plantas dos pés muito doloridas,
dorsalgia e dores tipo “nervo ciático”, dores lacerantes que correm
o trajeto dos tendões, rinorréia purulenta crônica,
asma e “estado tísico” e “extrema tensão nervosa e inquietude”
(28) – todos sintomas compatíveis com complicações
ginecológicas de infecção gonocóccica, sinusite
crônica e pneumopatias por Chlamydia sp e Síndrome de Reiter.
Quanto à Psora, que compreenderá quase 7/8 de todas as doenças
crônicas, é importante destacar que o próprio Hahnemann
tinha consciência de que estava lidando com um conceito muito mais
amplo do que os dois miasmas anteriores e parece mesmo assumir a possibilidade
de se tratar não apenas de um fator, mas vários, com manifestações
e comportamentos muitos próximos: “Descobri, aos poucos, meios de
cura mais efetivos contra esta moléstia original que causou tantas
queixas, contra esta moléstia que pode ser chamada pela denominação
geral de Psora” (21).
A variedade dos sintomas locais primários da Psora fortalece essa
opinião: sarna; “flechten” com o “comichão peculiar” da sarna
(“flechten” é uma palavra alemã que abrangia erupções
cutâneas de tipo escamoso/descamante, eczema, líquen, crosta
láctea e herpes); tinea capitis e lepra.
Por que Hahnemann incluiu a sarna nos sintomas primários da Psora,
se ele próprio, em 1792, reconhecia o ácaro como sendo a
etiologia da sarna?: “A sarna não é congênita; não
provém de emanações ou acrimônia do sangue...(mas)
um pequeno inseto vivo ou ácaro, que habita o nosso corpo sob a
epiderme... é a causa da irritação e seus movimentos
de reptação ocasionam prurido. Essa irritação
provoca um fluxo de humores que se traduz pelo aparecimento de uma quantidade
de vesículas... Essa não é uma opinião adotada
a fim de fugir a uma dificuldade, mas trata-se de observação
com base na experiência” (17). É possível que Hahnemann,
após os anos de experiência homeopática, visse nessas
doenças cutâneas a manifestação inicial mesmo
de uma doença infecciosa crônica ou um fenômeno para
o qual ainda não havia vocabulário adequado – agentes carreadores
de outros fatores infecciosos (vetores), como o barbeiro é o vetor
do Trypanossoma e o carrapato Ixodes dammini (um “parente” do Sarcoptes
scabiei) é o vetor da espiroqueta Borrelia burgdorferi, causadora
da Doença de Lyme – uma infecção crônica com
sintomas quase tão variados quanto os da sífilis.
Hahnemann diz que o “miasma psórico” continua a se desenvolver no
interior do organismo mesmo enquanto houver o sintoma primário:
“Pode-se facilmente imaginar, como também o ensina a experiência,
que quanto maior for o número de meses em que uma erupção
de sarna negligenciada haja florescido sobre a pele, mais... terá
sido capaz a Psora interna, que lhe subjaz, de alcançar, mesmo num
período moderado de tempo, um alto e, finalmente, o mais alto grau,
cujo tenebroso aumento... se demonstra através das mais perigosas
conseqüências, as quais, a expulsão da erupção...
enseja em seguida”. Ele chamará de Psora Latente a essa fase em
que a “doença crônica não-venérea” cresce interiormente,
esteja o sintoma local primário presente ou não. O termo
latente não tem, para Hahnemann, o significado de completo silêncio,
mas da tolerabilidade de suas manifestações, que não
chegam a prejudicar a vida cotidiana do paciente de maneira muito marcante.
A sintomatologia da Psora Latente abrange todos os sistemas orgânicos
e compreende um número de, pelo menos, 50 sintomas citados em Doenças
Crônicas, os quais, em sua maioria, excetuando a parasitose intestinal,
são considerados, atualmente, doenças funcionais ou alérgicas,
como lombalgias, síndromes miofaciais, rinite alérgica e
rinites crônicas, asma brônquica, dispepsias, migrânias,
síndrome do cólon irritável, etc. Essas manifestações
podem ser desencadeadas “por emoções desagradáveis”
e “são tão múltiplas quantas são as peculiaridades
das constituições corporais e do mundo exterior que as modificam”
(21). Mais uma vez Hahnemann diferencia o miasma psórico dos fatores
psíquicos, constituição e demais fatores ambientais,
que modulam a manifestação da psora ou até desencadeiam
os seus sintomas (causa occasionalis), mas não são o miasma
em si.
A Psora Desperta e sua infinidade de doenças secundárias,
doenças crônicas funcionais ou lesionais que comprometem de
maneira significativa a qualidade de vida do paciente e têm a potencialidade
de levá-lo à morte, surgem, “tanto em uma criança
quanto em um adulto”, quando este experimenta “o oposto das condições
favoráveis de vida”: uma febre epidêmica ou doença
aguda infecciosa, varíola, sarampo, etc.; grave lesão externa,
um choque, uma queda, uma ferida, uma queimadura considerável, fraturas,
parto difícil, etc.; depressão por estado de luto importante,
melancolia associada a contrariedades, aborrecimentos e mágoas,
“esmorecimento da coragem”, etc.; intoxicação alimentar,
fome, desnutrição, etc.” Essas doenças crônicas
originam formas individuais em cada pessoa, “segundo a constituição
corporal, as falhas na educação, os hábitos, a ocupação
e as circunstâncias externas, assim como são modificadas pelas
várias impressões psíquicas e físicas...” (21).
A abordagem hahnemanniana da causa occasionalis e “circunstâncias
acessórias” é surpreendentemente exata se considerarmos o
ponto de vista da Medicina Psicossomática e da Psicossomática
Psicanalítica (2, 3, 7). E a sua descoberta de uma etiologia contagiosa
(infecciosa) para praticamente todas as doenças crônicas não-venéreas
tem recebido os primeiros passos de aproximação por parte
das ciências oficiais nas últimas décadas, tanto quanto
à natureza “invisível” destes agentes, quanto à presença
de manifestações cutâneas e internas, sua capacidade
de causar doenças congênitas e serem transmitidos pelo leite
materno, de se inserir no material genético do ser humano, de sofrerem
uma exacerbação clínica, após períodos
aparentemente silentes, diante de um fator desencadeante específico,
e à sua alta prevalência mundial. Esses agentes hoje reconhecidos
pertencem, principalmente, à classe dos retrovírus e DNA
vírus, englobando as famílias dos herpes vírus (Herpes
simplex, Epstein-Barr vírus, Vírus Varicela-Zoster, Citomegalovírus,
etc.), Paramixovírus (inclui o vírus do sarampo) e
os Lentivírus (vírus da leucemia T humana – HTLV-1, vírus
da imunodeficiência humana – HIV e os Oncovírus).
O HTLV-1, p. ex., está associado com linfomas não-Hodking,
leucemias, paraparesia espática tropical, polimiosite, uveítes,
artropatias e dermatites infetadas (54). O HIV, além de predispor
o organismo afetado a uma série de doenças oportunistas,
pode produzir um quadro Lupus-like, demência, neuropatias, diarréia
crônica, linfadenopatia generalizada crônica, etc.
O diabetes autoimune humano está associado à infecção
crônica pelo Coxsackievírus do grupo B. O parvovírus
B19 pode ser um fator causal de doenças reumáticas crônicas,
como a artrite reumatóide (30).
O vírus de Epstein-Barr, causador da mononucleose infecciosa, tem
sido associado com a síndrome da fadiga crônica e fibromialgia,
hepatite crônica (38), linfoma de Burkitt, doença linfoproliferativa
ligada ao X, carcinoma nasofaríngeo anaplásico (52), linfoma
de células B em locais de supuração crônica
(9), fibrose pulmonar idiopática e pneumonites (31), síndrome
de Guillain-Barré, cerebrites e polineurites, uveíte, anemia
aplásica, anemia hemolítica, síndrome hemofagocítica,
ruptura esplênica, diarréia crônica, miocardites, pericardites,
arritmias etc. (60). A família herpesvírus ainda está
relacionada com o sarcoma de Kaposi, diversas vasculites, como a Arterite
de Takayasu (10), pitiríase rosea (27) e esclerose múltipla.
E assim por diante.
Todas estas evidências científicas,
se confirmadas, identificarão, no mínimo parcialmente, o
fenômeno miasmático psórico observado por Hahnemann,
tão combatido e confundido, como infecções virais
crônicas.
CONCLUSÕES
1- Hahnemann possuía uma concepção
multifatorial do processo de adoecer.
2- A abordagem hahnemanniana
das doenças é uma psicossomática radical, mas que
mantém o conceito de causa fundamental da doença natural
atrelada a um agente infeccioso, contagioso (miasma). Os miasmas crônicos
são entidades independentes da constituição física
e das disposições “naturais” do indivíduo e seu caráter.
3- A perpetuação
do sintoma primário de uma doença crônica não
impede que a sua causa fundamental continue a se desenvolver e a “minar”
o organismo afetado. A evolução da doença só
será interrompida quando o agente infeccioso for atacado diretamente
e os possíveis obstáculos ambientais e psicológicos
forem removidos.
4- O miasma Syphillis refere-se
ao Haemophilus ducreyi e ao Treponema pallidum, podendo, ocasionalmente,
no diagnóstico diferencial, incluir o granuloma inguinal e o linfogranuloma
venéreo.
5- O miasma Sycosis está
relacionado à Neisseria gonorrhoeae e à Chlamydia trachomatis
ou sp.
6- O miasma Psora parece corresponder
ao modelo atual retrovírus e DNA vírus, cabendo aos homeopatas,
ao lado dos biólogos ou paralelamente a estes, realizarem pesquisas
e investigações clínicas que possam confirmar ou contradizer
essas evidências cada vez mais volumosas.
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