Support for and resistance to Homeopathy among
managers of the Unified National Health System
Sandra Abrahão Chaim Salles 1
Lilia Blima Schraiber 1
Abstract
1 Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil.
Correspondência
S. A. C. Salles
Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de
Medicina, Universidade de
São Paulo.
Rua Tomé de Souza 130, São
Paulo, SP 05079-000, Brasil.
sandrachaim@terra.com.br
Introdução
This article presents partial findings from a study Este artigo propõe algumas reflexões sobre a as-
on trends towards greater or lesser proximity be- sistência médica homeopática no Sistema Único
tween homeopathic and allopathic physicians, de Saúde (SUS) com base em parte dos resulta-
from the perspective of the latter. Forty-eight dos de pesquisa conduzida entre os anos de 2002
health professionals were interviewed (faculty, e 2005.
managers, and physicians working in the public O objetivo principal era investigar as carac-
health system). This specific article focused only terísticas presentes na relação que se estabelece
on the interviews with health system managers. nos dias atuais entre a Homeopatia e a Biomedi-
The following concepts were used as references: cina, segundo o ponto de vista dos médicos não
social and scientific field (Bourdieu); medical homeopatas.
rationalities (Madel Luz); technological arrange- A Homeopatia é um sistema médico com-
ments in health work (Mendes-Gonçalves); and plexo. Diferencia-se da medicina ocidental con-
physician’s professional identity (Donnangelo temporânea (Biomedicina) em seu sistema diag-
& Schraiber). According to the findings, support nóstico e de intervenção terapêutica, que opera
by managers for the presence of Homeopathy in segundo concepções próprias sobre a morfologia
the Unified National Health System is related to humana, dinâmica vital e doutrina médica 1. Não
their perception of social demand, defense of pa- deve ser reduzida, portanto, a um recurso tera-
tients’ right to choose, and the observation that it pêutico. Apesar de ser uma outra racionalidade
is a medical practice that reclaims the human- médica, ela vem sendo gradativamente incorpo-
ist dimension of medicine, thus contributing to rada às instituições de saúde do nosso país, se-
user satisfaction. The difficulties and resistances jam elas de assistência, pesquisa ou ensino. Esse
identified by managers highlight that the lack of processo de institucionalização teve início a par-
information on homeopathic procedures limits tir do seu reconhecimento como especialidade
the possibilities for use of Homeopathy because it médica, pelo Conselho Federal de Medicina, em
leads to insecurity towards this area of medicine. 1980, que, por sua vez foi uma decorrência de sua
legitimação social.
Na saúde pública os movimentos iniciais de
inclusão da Homeopatia foram iniciativas indi-
viduais de alguns médicos que tinham forma-
ção em homeopatia e obtiveram permissão para
Homeopathy; Medicine; Public Health
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Salles SAC, Schraiber LB
atender pacientes, como homeopatas, em agen-
da paralela. Mas foi a ação coletiva de grupos de
homeopatas desenvolvendo um trabalho políti-
co e técnico em defesa da Homeopatia na saú-
de pública que resultou em um movimento de
institucionalização de fato da Homeopatia, com
a progressiva inserção do atendimento no plane-
jamento dos serviços e nas políticas de saúde.
Atualmente, a Homeopatia é uma opção para
os usuários do SUS, uma vez que é oferecida pela
rede ambulatorial de cerca de 108 municípios.
Mas, a falta de uma política ministerial para o
desenvolvimento da Homeopatia no SUS ainda
repercute no campo e uma das evidências desta
condição atípica da Homeopatia, reconhecida
como especialidade médica e farmacêutica, mas
não contemplada pelas políticas publicas, é a fal-
ta de acesso dos usuários ao medicamento ho-
meopático. A aprovação e publicação da Política
Nacional de Práticas Integrativas e Complemen-
tares no Sistema Único de Saúde, em maio de
2006 pelo Ministério da Saúde, poderá modificar
essa situação, uma vez que propõe uma política
nacional para a assistência homeopática.
Nas faculdades de medicina, a Homeopatia
ainda é pouco presente, dependendo sempre
da iniciativa dos homeopatas, que têm busca-
do estas instituições como espaços de ensino e
pesquisa, contribuindo para incrementar a pro-
dução e a publicação de trabalhos sobre o saber
e a prática homeopáticos.
Nesses dois ambientes, Academia e SUS, a
convivência entre essas duas medicinas é uma
realidade que se impõe, seja por meio do contato
direto entre os profissionais, ou indiretamente
por intermédio dos pacientes usuários das duas
medicinas.
A contínua ampliação do uso da Homeopatia
e outras formas de cuidado, diferentes da Bio-
medicina, têm sido observadas em quase todo
o mundo, o que tem despertado o interesse de
muitos pesquisadores em conhecer melhor es-
se processo. Alguns artigos têm sido publicados
com reflexões sobre a percepção de profissionais
de saúde (médicos ou não) a respeito de um con-
junto de práticas em saúde diferente da medicina
hegemônica, denominadas medicinas alternati-
vas, complementares ou não convencionais, que
englobam a Homeopatia, Acupuntura, Naturo-
patia, Fitoterapia, práticas manipulativas como
Osteopatia e Reflexologia, entre outras. Ainda que
mereçam ressalvas, por avaliarem um conjunto
que inclui especialidades médicas reconhecidas
no Brasil (Homeopatia e Acupuntura) e práticas
terapêuticas com diferentes níveis de regulação,
uma conclusão comum aos diferentes trabalhos
merece ser citada pois aponta para a realidade
do pluralismo terapêutico no campo da saúde e
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a conseqüente necessidade de ampliar a divul-
gação de informações a respeito destas práticas
entre os profissionais de saúde 2,3,4,5,6.
Os resultados aqui apresentados falam das
características dessa aproximação que vem sen-
do observada no campo da saúde em nosso país,
onde agentes/sujeitos de seus respectivos sabe-
res interagem, como em todo universo social, em
tensão, refletindo conflitos e convergências his-
tóricos. Este artigo vai se restringir a apresentar
um dos elementos investigados – a relação dos
gestores com a presença da Homeopatia no SUS,
buscando analisar aspectos relevantes envolvi-
dos no seu apoio a este movimento, assim como
as resistências que eles observam e descrevem
em suas entrevistas.
Desenho da pesquisa e
referenciais usados
A investigação como um todo foi realizada a par-
tir de entrevistas em profundidade com profis-
sionais de saúde não-homeopatas, docentes e
pesquisadores, gestores e médicos que atendem
no SUS, de diferentes municípios e faculdades
de medicina do país. Foram escolhidos, para as
entrevistas, 16 gestores dos seis municípios que
tiveram a maior produção ambulatorial de con-
sultas em Homeopatia no ano de 2003 (Depar-
tamento de Informática do SUS. http://www.
datasus.gov.br): Rio de Janeiro, São Paulo, Vitó-
ria (Espírito Santo), Juiz de Fora (Minas Gerais),
Dourados (Mato Grosso do Sul) e Brasília (Dis-
trito Federal).
Esses gestores possuem diferentes graus de
envolvimento com a Homeopatia – enquanto al-
guns apenas administram uma diretoria regional
de saúde que abriga um serviço de Homeopa-
tia, outros participaram ativamente de projetos
de implantação da assistência homeopática no
município. Dessa forma, a amostra contemplou
alguns simpatizantes da Homeopatia e também
outros, que são indiferentes ou não acreditam
nesta proposta, mas que são instados, no exer-
cício de suas funções, a conviver com ela. Todos
eles foram convidados a refletir sobre a presença
da Homeopatia no SUS.
Neste estudo foram usadas, de maneira com-
plementar, as concepções de Bourdieu a respeito
de campos sociais e as reflexões de Maria Cecilia
Donnangelo, apresentando as diferentes ideo-
logias sustentadas pelos médicos, tendo como
sistema de referência a sua condição de categoria
profissional homogênea e também de trabalha-
dores especializados ocupando posições no con-
junto do sistema de produção de serviços. Os es-
tudos sobre a identidade de médico descrevendo
APOIO E RESISTÊNCIAS À HOMEOPATIA
os conflitos que surgem nas dimensões éticas da
profissão, com base na sua inscrição no mercado
de trabalho 7, também foram referências impor-
tantes para a análise dos resultados.
O projeto de pesquisa foi submetido e apro-
vado pela Comissão de Ética para Análise de Pro-
jetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas e Fa-
culdade de Medicina, Universidade de São Paulo
(USP), e todos os participantes assinaram o Ter-
mo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Os resultados das entrevistas com os gestores
abrangem vários temas ligados às grandes ques-
tões da saúde pública e do ensino médico, reve-
lando os valores nos quais baseiam seus argu-
mentos em defesa da Homeopatia no SUS ou su-
as resistências à aceitação plena desta medicina
como uma opção para a população. Serão apre-
sentados a seguir os principais núcleos temáti-
cos identificados como argumentos de apoio ou
resistência dos gestores à Homeopatia, com as
citações dos entrevistados em itálico identifica-
das apenas pelo cargo que já exerceram.
Possibilidade de escolher:
direito de cidadania
“Então, o quê que na verdade eu vislumbrava? A
possibilidade de universalização do seu acesso.
Quer dizer, aqueles que desejam ser usuários dessa
prática, eu gostaria muito de poder estar disponi-
bilizando universalmente, da mesma forma que
uma prática alopática” (Coordenador de atenção
primária, Secretaria Estadual de Saúde, ex-secre-
tário de saúde).
“Promover a eqüidade. Ela estava restrita aos
pacientes abonados que poderiam pagar uma
consulta na rede privada. Nada mais justo então
que facilitar o acesso à Homeopatia e Acupuntura
para todos” (Subsecretário de assistência à saú-
de, Secretaria Estadual de Saúde).
“...Eu tinha essas coisas do SUS como quase
um mote existencial, então aqueles princípios da
universalidade de acesso, de que o cidadão tem
direito, isso tudo me motivava muito porque era
uma ferramenta a mais... o que nos motivou mui-
to era que nós tínhamos uma leitura política mui-
to aguçada da questão do direito e do acesso. Então
aquilo era uma coisa que já era reconhecida pelo
Conselho Federal de Medicina, havia uma expec-
tativa de usuários, havia um grupo de médicos que
queria trabalhar com isso e nós entendíamos que
era direito do povo, aquela coisa muito politizada
mesmo, então isso ajudou muito a gente a viabili-
zar o serviço” (Ex-secretário municipal de saúde).
Os gestores reconhecem a demanda social
como força de pressão política para promover
mudanças dentro do sistema, sugerindo que sua
ação para universalizar o acesso à Homeopatia
se baseia em razões de natureza administrativa
e também política. Perceber a demanda social
e a impossibilidade de acesso pela escassez de
médicos homeopatas foi fator motivador para
atitudes de apoio dos gestores entrevistados às
iniciativas para a ampliação dos serviços de Ho-
meopatia na rede. Nesse momento eles tomam
para si a função de, enquanto gestores da assis-
tência pública à saúde, promover a justiça social
por meio da universalização do acesso a uma
medicina que é reconhecida como especialida-
de médica. Esse argumento é relevante, pois foi
apresentado por gestores de todos os municípios
visitados e já havia sido utilizado em outros es-
tudos, como o de Novaes 8 (p. 93) ao considerar
que “a possibilidade de se estender à população,
pelo menos à parcela que acredita e busca, uma
determinada terapêutica, constitui-se em direito
de cidadania”.
O olhar administrativo do gestor
“Não porque era um bando de gente santinha, era
muito uma exigência da prática mesmo, a ques-
tão filosófica – de escutar a pessoa, de vê-lo como
um todo, que exigia uma consulta maior, que ge-
rava um acolhimento melhor e confortava as pes-
soas. Isso do ponto de vista da gestão publica, das
nossas dificuldades no SUS que tem um grande
problema de respeito ao cidadão, de acolhimento,
de consultas de baixa qualidade, isso foi muito
motivador” (Ex-secretário municipal de saúde).
“...Eu tenho que te confessar, o meu olhar é o
do gerente de serviço, do conjunto de serviços. A
Homeopatia tem uma adesão fantástica dos usu-
ários – quem entra não quer sair do serviço. Mais
de 95% de adesão. O serviço de Homeopatia requer
muito pouco aparato de apoio de diagnóstico. En-
tão, dentro da minha racionalidade, eu imagino
o seguinte: se a gente tem um modelo de prática
médica, a medicina, que tem se mostrado incapaz,
insuficiente de garantir integralidade, universali-
dade, igualdade de acesso e satisfação do usuário,
nós temos um outro modelo, outros modelos de
prática que podem, sem ser excludentes, igual a
medicina foi ao longo das décadas com as tera-
pêuticas não convencionais, mas estar sendo uma
opção terapêutica do usuário, por que não im-
plementá-lo?” (Coordenador de planejamento,
ex-superintendente de assistência à saúde – Se-
cretaria Municipal de Saúde).
“...Entre consultas, exames complementares e
medicação, o paciente sai muito mais barato do
que um paciente que é atendido na alopatia. Isso
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na questão financeira. Na questão do paciente, eu
acho que a questão, vendo agora lado do paciente,
do usuário do SUS, ele vai ter um atendimento
muito mais humanitário: sem aquela correria do
alopata que atende ali e em poucos minutos, já
pedindo vários exames... o homeopata, por tocar o
paciente, por atender e gastar um tempo necessá-
rio pro atendimento, ele fica todo já coberto, então
qualquer procedimento que ele faz ele está total-
mente embasado daquilo que ele está fazendo”
(Gerente de atenção secundária).
Os gestores são sensíveis à avaliação da clien-
tela de serviços homeopáticos sobre a qualidade
do atendimento e ao assumir a defesa do direi-
to de acesso a toda a população que demandar
a Homeopatia, esses entrevistados expressam a
ideologia ocupacional do gestor, que tem na pro-
moção da satisfação do usuário uma das metas
de sua função no sistema de saúde.
Ao apontar, como justificativa de apoio à
Homeopatia, o seu baixo custo, levantam a sus-
peição de estarem em defesa de uma medicina
barata que poderia possibilitar a ampliação da
cobertura da atenção primária. Mas desfazem
essa impressão apresentando esse argumento de
forma vinculada à qualidade do cuidado homeo-
pático, descrevendo-o como um encontro entre
médico e paciente que se realiza segundo os pa-
drões éticos da boa prática médica.
Os entrevistados demonstram reconhecer
que a consulta homeopática envolve uma ana-
mnese extensa, acompanhada de um exame
detalhado de cada paciente e que estes passos
são necessários para que o homeopata efetive
sua terapêutica – não se trata, portanto, de uma
característica pessoal do homeopata, mas sim
de uma exigência técnica da racionalidade em
que ele opera, pois o homeopata assume para
si o papel de reflexão crítica sobre o diagnósti-
co, freqüentemente delegado à tecnologia pela
Biomedicina. Quando descrevem o ato médico
homeopático como um ato dirigido e assegu-
rado pela escuta e observação dos pacientes, os
gestores estão reafirmando um valor universal
para a prática médica, ou seja, descrevem o que
seria a boa prática. Ao descrever a prática mé-
dica não-homeopática, em contraposição, refe-
rem-se ao excesso de pedidos de exames e às
consultas rápidas. As representações sobre uma
e outra medicina são claramente expressas por
esses gestores e merecem uma atenção reflexi-
va, uma vez que “cada indivíduo é portador da
cultura e das subculturas às quais pertence e é
representativo delas” 9 (p. 194).
Ao buscar se institucionalizar, a Homeopatia
o fez defendendo alguns elementos de sua prá-
tica considerados essenciais para garantir a efi-
cácia de suas ações. O tempo de consulta foi um
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dos principais aspectos negociados nesse pro-
cesso. Simultaneamente em que os homeopatas
que atuavam na rede buscavam se adaptar a um
tempo de consulta menor do que aquele que era
proposto por algumas escolas de Homeopatia,
sem comprometer a qualidade de sua prática 10,
os seus representantes demandavam a regula-
mentação do direito de consultas de uma hora
(primeira vez) ou trinta minutos (retornos). Essa
prerrogativa para sua prática, justificada nas ca-
racterísticas do seu saber, permitiu aos home-
opatas a preservação da consulta como espaço
relevante para o exercício da medicina. Ao fazê-
lo, a Homeopatia se diferencia das demais espe-
cialidades da medicina que, por valorizarem a
tecnologia como uma garantia da cientificidade
dos seus atos, foram, aos poucos, construindo
o atual arranjo tecnológico em saúde, em que a
consulta representa parcela de menor valor, sim-
bólico e econômico.
Portanto, não podemos dizer que apenas o
homeopata é capaz de uma prática médica que
resgata a dimensão humanista da medicina, pois
todos os médicos são formados como profissio-
nais com uma ideologia que preserva este valor.
Mas, podemos afirmar que as escolhas da me-
dicina, em seu caminho de aproximação com a
ciência, construíram para ela um modelo de as-
sistência que dificulta esse resgate. E os gestores
utilizam suas observações sobre a Homeopatia
para explicitar críticas a esse modelo, ou desvio
de modelo, como propõem alguns.
Os entrevistados também observam que a
Homeopatia está adentrando em um sistema de
saúde que a desconhece, pois foi a Biomedicina,
como saber dominante, a construtora do modelo
de saúde que hoje tenta abrigar a Homeopatia.
Essa hegemonia se faz presente em todas as esfe-
ras do campo da saúde: política, científica, de di-
vulgação e reprodução do saber, como o estudo
procurou demonstrar. Eles observam ainda que
mesmo após anos de discussões, críticas e refor-
mas, esse modelo de atenção que aí está ainda
valoriza muito a medicina hospitalar em detri-
mento das atividades ambulatoriais. Além disso,
a lógica interna da prática na qual esse modelo
se baseia, a Biomedicina, avaliza um conjunto
de características – “o uso excessivo de exames
complementares, a desvalorização da subjetivi-
dade do paciente e do próprio médico e a farma-
cologização excessiva” 11 (p. 135) – que se opõem
frontalmente àquelas valorizadas pela prática
homeopática.
Concluindo, podemos afirmar que a prática
homeopática é caracterizada como uma ação
que preserva a dimensão humanística da prática
médica, pois defendeu, no processo de institu-
cionalização, a preservação da consulta médica
APOIO E RESISTÊNCIAS À HOMEOPATIA
como ato de maior valor, pois sem isto não seria
capaz de garantir a efetivação da sua atividade
terapêutica.
A Homeopatia como uma medicina
do ser integral
“Então, como eu tava te falando, por que a Home-
opatia é maior? Por isso, porque a Alopatia, quan-
to mais se subespecializa, fica mais ligada mesmo
à doença, aí trata dessa partezinha, enquanto ele
vai no outro e trata do todo, ele não vai voltar em
mim, então existe esse medo mesmo” (Gerente de
atenção secundária).
“A cada dia que passa, onde a Alopatia não
consegue dar conta do sujeito, e não consegue
mesmo, do indivíduo como um todo... Você fala
de outra coisa, você fala de um sujeito na íntegra,
você fala de um sujeito que precisa de tempo, você
fala de um sujeito que precisa ser observado com
as suas conexões físicas e psíquicas. ...Acho que
o problema maior que eu vejo é exatamente essa
questão da integralidade que a medicina não dá
conta, a oficial” (Coordenador de centro de refe-
rência de saúde do trabalhador).
“Eu acho que realmente tem questões da saúde
que a população demanda que não se enquadram
nos clássicos quadros clínicos da Alopatia, não se
enquadram, e a gente não dá conta, enquanto que
a Homeopatia consegue fazer, pela própria abor-
dagem global, dá um atendimento que satisfaz
mais a pessoa...” (Coordenador de centro de saú-
de escola).
Os gestores falam das dificuldades da Biome-
dicina, baseada na tecnologia das especialida-
des, em lidar com sintomas comumente trazidos
pela população às unidades de saúde, por sua
impossibilidade de compreender o indivíduo em
sua totalidade. Apontam, ao mesmo tempo, co-
mo atributo distintivo, a Homeopatia como uma
prática mais voltada para o sujeito integral.
Considerando que existem diversos sentidos
de integralidade nos discursos que se apresen-
tam no campo da saúde, é preciso saber reconhe-
cer que os gestores entrevistados adotam, nessa
avaliação que fazem das duas medicinas, um
sentido de integralidade que se refere à medicina
integral como aquela que não reduziria o pacien-
te aos sistemas biológicos ou a suas queixas – em
oposição à medicina reducionista e fragmentária
apresentada pelos currículos das escolas médi-
cas nos anos setenta. Ao apresentarem as suas
experiências de ver a Homeopatia abordando
os indivíduos doentes com essa compreensão e,
paralelamente, constatarem a impossibilidade
da Biomedicina de proceder da mesma forma,
alguns profissionais entrevistados reapresentam
um argumento que já foi usado por alguns estu-
diosos da saúde ao se colocarem em defesa do
reconhecimento e incorporação de racionalida-
des médicas alternativas, pois as supunham mais
amistosas para com a integralidade 12.
Os gestores associam, ainda, a visão do to-
do do homeopata a uma possibilidade de atuar
na promoção da saúde. Eles apresentam a idéia
de que os conceitos de prevenção e promoção
da saúde são mais compatíveis com práticas que
trabalham o cuidado dos indivíduos dentro de
um conceito positivo de construção da saúde co-
mo a Homeopatia, e não direcionadas para a do-
ença, como a Biomedicina. Apontam ainda que
essa mudança de visão que vem ocorrendo no
campo da saúde pode aumentar a aceitação da
prática homeopática. Alguns estudos já haviam
sugerido que a Homeopatia, sendo uma práti-
ca que se propõe a cuidar do ser integral, numa
perspectiva positiva de saúde, desenvolveria
uma prática de promoção da saúde 13,14,15. Essa
observação, vinda de gestores que tiveram conta-
to com a Homeopatia em ação, na atenção bási-
ca, é importante testemunho que rebate aqueles
que argumentam que a Homeopatia perderia,
quando inscrita na rotina da saúde pública, suas
características de prática humanista.
As origens da resistência
“Eu entendo que a Homeopatia rompe com a vi-
são do biologicismo dentro da saúde. Ela rompe
com o biologicismo e ela rompe exatamente com
a fragmentação que existe dentro da abordagem.
Então eu entendo a Homeopatia como uma es-
pecialidade médica, mas para além da medicina
tradicional, da concepção médica hegemônica.
...Há todo esse confronto que é uma coisa muito
comum quando você traz uma nova linguagem,
quando você traz uma nova experiência e quan-
do você rompe um pouco com essa questão que
está colocada, com a linguagem habitual ... Você é
uma ameaça. Você, da Homeopatia é uma amea-
ça à minha linha tradicional, biológica, centrada
na doença onde o indivíduo não importa. Então o
que você vai fazer? Os caras cerceiam mesmo. Acho
que isso é o que eu tenho visto” (Coordenador de
centro de referência à saúde do trabalhador).
“Olha, eu acho que é uma diferença tão gran-
de, é uma questão epistemológica de princípio,
de início: eu trato diversos doentes com o mesmo
medicamento e a Homeopatia trata o doente com
a sua doença, não sei nem se eles usam o termo
doença. Então, o remédio é personalizado, eu acho
muito difícil, há realmente uma distância muito
grande até de leitura das coisas, a leitura do bio-
lógico, do funcionamento, então eu acho muito
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difícil a troca de figurinhas entre homeopatas e
alopatas, porque eles têm lógicas muito distintas”
(Ex-secretário municipal de saúde).
A capacidade de resolver problemas trazidos
pelos pacientes é um valor essencial para a pro-
fissão 16, mas a identidade profissional também
é construída no compartilhamento de saberes
sobre as doenças, tendo como base o conheci-
mento científico. E se o conhecimento científi-
co confere aos participantes dessa profissão – os
médicos – autoridade para legitimar um saber so-
bre as doenças, será a experiência clínica que lhes
fundará o saber sobre doentes 17. Por essa razão
eles valorizam as práticas capazes de demonstrar
resultados, mas a impossibilidade de comparti-
lhar com elas os saberes herdados e reconheci-
dos como científicos vai lhes impedir de atribuir a
elas a legitimidade científica que lhes garantiria o
mesmo valor profissional no campo da saúde.
“Olha, eu acho que o que leva a maioria dos
profissionais a não adotar a Homeopatia, ou não
dar essa credibilidade à Homeopatia é o desco-
nhecimento, vamos dizer assim, do princípio ati-
vo e da ação do medicamento homeopático. ...En-
tão eu acho assim, falta muita discussão em torno
disso, falta esclarecimento para os profissionais”
(Secretário municipal de saúde).
“Modelo que não tem as bases bioquímicas,
biofísicas e fisiopatológicas que conhecemos. E
como todo doutor, pelo menos a sua maioria, o
que ele não compreende, ele refuta, ele diz que não
serve, ele simplesmente abomina; a não compre-
ensão de ações energéticas, quer seja no desenvol-
vimento do processo terapêutico, quer seja no seu
resgate, a não compreensão leva a refutá-lo. Quer
dizer, eu não vou admitir que eu não entendo, eu
não vou admitir que isso tá além daquilo que eu
consigo compreender fisiologicamente, fisiopato-
logicamente, bioquimicamente, biofisicamente,
isso tá além da minha compreensão, não foram
essas bases que eu aprendi na minha formação,
mas eu não posso dizer isso, então simplesmente
eu refuto e digo que é uma prática que eu não acei-
to, porque eu prefiro a Alopatia” (Coordenador de
atenção primária, Secretaria Estadual e Saúde,
ex-secretário de saúde).
Eles descrevem acima o desenvolvimento da
principal resistência de cunho cientifico à Ho-
meopatia, que se baseia na não compreensão
da ação das ultradiluições. Relatam que é difícil
compreender uma medicina, como a Homeopa-
tia, que não oferece a mesma explicação farma-
cológica para a ação das substâncias que utiliza.
As ultradiluições há muito têm sido apontadas
como o tendão de Achiles da Homeopatia pe-
las dificuldades na comprovação científica de
sua ação. Muitos experimentos laboratoriais fo-
ram desenvolvidos para confirmar a essa ação
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18,19,20,21,
mas faltam explicações sobre os meca-
nismos e o local de sua ação.
“A primeira coisa que se diz é: ‘isso é um qua-
dro agudo, você não pode usar isso, a Homeopa-
tia é para questões crônicas, arrastadas, processos
outros’... Eu acho que o que pega realmente é isso
‘eu não acredito por isso, é muito lento, você toma
muita coisinha, umas bolinhas, essas coisas todas
e você não sabe bem para quê que é’, etc. Não é uma
coisa direcionada, porque a primeira pergunta é
‘esse aqui é para quê?’. Esse é para tratar asma, esse
é para tratar não sei o quê, porque é a lógica da
Alopatia” (Coordenador da atenção primária).
“Essa coisa da cura através da Homeopatia, a
concepção dela é divergente de todo modelo que
a gente tem histórico aí de mais de cem anos, das
bactérias da vida. E você dizer que vai fazer um
princípio ativo através de similares e diluições,
isso tem um impacto. A construção dessa concep-
ção na cabeça de um profissional que tradicional-
mente lida com comprovação de drogas que vão
lá e matam, né? Que é uma visão ainda que vem
lá de trás, mas que ainda é muito forte na medi-
cina, você mudou toda uma concepção teórica,
mas é aquela concepção unicausal, foi um troço
que foi lá e causou a doença no cidadão, eu tenho
que ir lá e matar aquele negócio, fazer com que ele
desapareça. A nossa cultura médica é muito forte
em torno ainda do conceito da unicausalidade,
voltada para o momento agudo da doença” (Sub-
secretário Estadual de Saúde).
Não compreendendo como age o medica-
mento homeopático, os entrevistados atribuem
a ele uma ação geral e inespecífica, não direcio-
nada a um determinado distúrbio, o que constrói
uma imagem de que a Homeopatia seria uma
medicina incapaz de dar respostas imediatas às
doenças agudas e graves em contraposição à Bio-
medicina, que, em conformidade com a cultura
atual, atende a exigência de resultados imedia-
tos. A Biomedicina define, então, como padrão
de boa prática que não basta resolver, é preciso
resolver rapidamente. Para uma determinada
queixa é preciso contrapor uma determinada
substância que atue rapidamente fazendo-a de-
saparecer. Os entrevistados ressaltam que a for-
mação dos médicos é voltada para o imediatis-
mo, dificultando sua aceitação de uma medicina
que teria uma outra mensuração do tempo: do
tempo terapêutico, do tempo de adoecimento e
do tempo de cura.
Considerações finais
Pode-se perceber que entre os entrevistados pre-
domina a noção de Homeopatia como uma “me-
dicina suave”, que lentamente poderia promover
APOIO E RESISTÊNCIAS À HOMEOPATIA
a melhora dos sintomas. Alguns fatores contri- dentre as publicações, muitas serem realizadas
buem para a construção dessa percepção e, um com pequeno número de sujeitos e muitas vezes
deles, certamente, é a falta de contato com resul- não seguirem o modelo exigido pela academia,
tados da Homeopatia em quadros agudos. Essa ou seja, ensaio clínico duplo cego, placebo con-
condição não se deve apenas à falta de estrutura trolado 23,24,25,26,27,28 não sendo, portanto, sufi-
dos serviços para atendimentos de casos agu- cientes para mudar a percepção dominante no
dos, mas também às dificuldades que ocorrem campo da saúde de que a Homeopatia é indicada
no Brasil na formação dos homeopatas, pois os apenas nos casos de doenças crônicas.
cursos de especialização não oferecem aos seus As dificuldades e resistências apontadas pe-
alunos um treinamento em serviço para aten- los gestores ressaltam que a falta de informações
dimento de casos agudos. Conseqüentemente, esclarecedoras sobre os procedimentos home-
diante desses casos, grande parte dos formados opáticos limita as possibilidades de utilização
em Homeopatia se sente insegura para utilizar da Homeopatia porque gera insegurança sobre
apenas esta medicina e optam por associar re- esta medicina. Cabe aos homeopatas, portanto,
cursos da Biomedicina 22. Essa atitude reafirma nesse momento da interlocução com seus pares,
a noção de que a Homeopatia é insuficiente para promover reflexões sobre sua própria medicina,
lidar com situações mais graves ou que exijam definindo conceitos e esclarecendo sua tecnolo-
respostas imediatas. gia, de forma a tornar públicas as características
Soma-se a isso o fato de serem poucas as pu- da sua boa prática, os limites de sua ação e as
blicações de resultados de pesquisas com a uti- possibilidades de parcerias com outras ações de
lização da Homeopatia em situações agudas, e, saúde.
Resumo Colaboradores
Este artigo apresenta parte dos resultados de pesqui- O artigo foi escrito por S. A. C. Salles com a colaboração
sa que investigou características do movimento de e revisão de L. B. Schraiber.
aproximação e afastamento entre homeopatas e mé-
dicos da Biomedicina, segundo o ponto de vista dos
profissionais não homeopatas. Foram entrevistados
48 profissionais de saúde (docentes, gestores e médicos
que trabalham na rede publica). Toma-se para aná-
lise apenas os resultados das entrevistas com gesto-
res. Foram usadas como referências as concepções de:
campo social e científico de Bourdieu; racionalidades
médicas de Madel Luz; arranjos tecnológicos do tra-
balho em saúde de Mendes-Gonçalves e de identidade
profissional de médico de Donnangelo e de Schraiber.
Os resultados indicam que o apoio de gestores à pre-
sença da Homeopatia no SUS relaciona-se à percepção
da demanda social, à defesa do direito de escolha dos
usuários e à constatação de tratar-se de uma prática
médica que resgata a dimensão humanista da medi-
cina, contribuindo assim para a satisfação do usuário.
As dificuldades e resistências apontadas pelos gestores
ressaltam que a falta de informações sobre os procedi-
mentos homeopáticos limita as possibilidades de utili-
zação da Homeopatia porque gera insegurança sobre
esta medicina.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo pelo apoio (processo no. 04/05973-8) e à Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
pela bolsa de Doutorado concedida à S. A. C. Salles.
Homeopatia; Medicina; Saúde Pública
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(1):195-202, jan, 2009
201
202
Salles SAC, Schraiber LB
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