segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Miasmas crônicos de Hahnemann: um conceito atual

Gustavo Marcelo Rodrigues Daré*
*Médico psiquiatra; aluno do curso de homeopatia do IHFL Homeopata (gmadea@ig.com.br)


INTRODUÇÃO         Não há nenhum ponto mais polêmico da doutrina homeopática do que a teoria hahnemanniana sobre miasmas crônicos. No tempo de Hahnemann, ela foi objeto de críticas vorazes por parte dos médicos alopatas e motivo de celeumas profundas entre os homeopatas, incluindo os discípulos diretos do mestre (17, 32).
        Desde então, vários homeopatas de renome tentaram responder à perplexidade do meio homeopático escrevendo suas interpretações pessoais sobre o tema, o que, mais do que qualquer outro assunto, colaborou para a formação de diversas escolas particulares dentro da Homeopatia (13, 17, 29, 46). São os “organicistas”, “psicologistas”, “unicistas”, “pluralistas”, “complexistas”, “altistas”, “baixistas”, “especificistas”, “kentistas”, “ocultistas”, etc. (11,12). Muito mais do que diferenças no modo de interpretar o medicamento homeopático, diferem em suas teorias sobre os miasmas crônicos e conseqüentes diagnósticos e terapêuticas.
        Devido à enorme influência que a “descoberta” dos miasmas crônicos de Hahnemann teve, e continua tendo, sobre a história da Homeopatia e sua prática, desde a primeira publicação do livro Doenças Crônicas, em 1828, até os dias atuais, é fundamental revermos esse assunto a partir da óptica de seu próprio autor.
MATERIAL E MÉTODO
        Foi realizado um estudo textual e comparado dos escritos mais importantes de Hahnemann para se obter idéia mais fidedigna e integral possível de seus conceitos sobre doença, saúde e miasmas. Em um momento seguinte, foram analisados os dados disponíveis em livros-textos atuais consagrados e em artigos científicos publicados em revistas indexadas ao Medline sobre doenças crônicas e suas etiologias. Por fim, compararam-se ambas as fontes de conhecimento, levando-se em consideração o contexto social e temporal de cada uma.
CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS SEGUNDO HAHNEMANN
        Primeiramente, é importante perceber em que contexto se encontram os miasmas crônicos dentro do universo hahnemanniano.
        Para ele, as doenças crônicas podem evoluir como processos contínuos, como doenças intermitentes (a evolução intermitente que domina a maioria das conhecidas doenças crônicas do mundo acadêmico - a Artrite Reumatóide, p. ex.), como doenças alternantes, “em que certos estados mórbidos se alternam em períodos indeterminados com outros de espécie diferente” (apesar de ser um fenômeno tão freqüentemente observado por quem cuida de pacientes crônicos, ainda não é inteiramente aceito pela medicina acadêmica).
        Doenças agudas intercorrentes, as que “atacam os homens individualmente através de  influências prejudiciais às quais esses indivíduos já se expuseram especificamente”, podendo ser essas influências: “excessos ou deficiências alimentares, impressões físicas intensas,... excitações psíquicas, emoções, etc.”, as quais, “na maioria das vezes, são somente a explosão passageira da Psora Latente (doença crônica não-venérea)”. Podemos inferir, entre os fenômenos observados por     Hahnemann, enfermidades como a infinidade de doenças alérgicas, dispepsias, herpes labial recorrente, etc.
        Doenças esporádicas, as quais “atacam diversas pessoas ao mesmo tempo, aqui e ali, por ocasião de influências meteóricas, telúricas ou agentes nocivos, sendo que somente alguns indivíduos são suscetíveis”. Merece, aqui, ênfase o uso do conceito de suscetibilidade de Hahnemann, sem fazer dele sinônimo de miasma crônico.
        Miasmas agudos peculiares, que “retornam sempre da mesma forma”, que o próprio Hahnemann exemplificou com a varíola, o sarampo, a coqueluche, a caxumba, etc.(19 – § 72 e 73).
        Além dessas doenças naturais, Hahnemann sempre combateu as doenças medicamentosas, tão comuns ainda hoje; estudou profundamente as intoxicações e reconhecia a existência de doenças cirúrgicas, como corpos estranhos, lesões vasculares traumáticas, etc.(19).
        É fácil perceber, diante desta simples classificação, que Hahnemann não fez das doenças crônicas uma panacéia que explicaria todas as patologias humanas.
CAUSAS DAS DOENÇAS
        Para Hahnemann, uma doença natural sempre será multifatorial, com fatores intrínsecos e extrínsecos  a se justaporem à reação vital muito particular de cada indivíduo: esses agentes “são em parte físicos e em parte psíquicos... mas é necessário que um bom número de circunstâncias e condições relativas tanto aos agentes morbíficos quanto ao indivíduo... se conjuguem antes que a doença seja produzida”. Há, ainda, a necessidade de que “estes agentes externos... nos assaltem em um grau muito acentuado” e que “nosso organismo tenha um lado particularmente impressionável, um lado fraco (predisposição)” (20). Isso demonstra o valor relativo que Hahnemann dava a cada fator patogênico isoladamente, mesmo em se tratando dos miasmas (fatores extrínsecos).
         Quanto à participação e importância de cada fator causal sobre a doença resultante, ele distingue: causa occasionalis, como fatores desencadeantes ou causas materiais imediatas (cheiro forte de flores, ruptura arterial, cálculo vesical, etc.); circunstâncias acessórias (“constituição física” do paciente, “seu caráter com seu psiquismo e mente, suas ocupações, seus hábitos e modo de vida, suas relações sociais e domésticas, sua idade e função sexual, etc.”); e causa fundamental, formada, nas doenças crônicas, basicamente, pelos miasmas crônicos (19 – § 5 a 7).
        Nitidamente, Hahnemann diferencia, nestes parágrafos do Organon, miasmas e, em particular, miasmas crônicos, de fatores psicológicos, apesar de toda sua abordagem psicossomática intransigente e tão moderna reconhecer “doenças mentais e psíquicas que nada mais são do que doenças do corpo nas quais o sintoma peculiar da alteração mental e psíquica aumenta, ao passo que os sintomas do corpo diminuem” e doenças “que se desenvolvem a partir do psiquismo, como uma ligeira indisposição mediante ansiedade prolongada, preocupações, vexames, insultos e freqüentes e fortes motivos para medo... doenças psíquicas que foram primeiramente trabalhadas e mantidas pela alma, enquanto ainda recentes e antes de terem perturbado em demasia o estado físico”. Ele chega a afirmar que “jamais se poderá curar... se não se observar, simultaneamente (às alterações orgânicas),... mesmo nos casos de doenças agudas, o sintoma das alterações mentais e psíquicas”, determinando o estado psíquico do doente, “muitas vezes e principalmente, a escolha do medicamento homeopático” – não porque seja o único verdadeiro fator determinante da doença, mas porque o estado psíquico, “entre todos (os sintomas), é o que menos pode permanecer oculto ao médico observador”. Hahnemann ratifica essa posição ao classificar os medicamentos homeopáticos não segundo sua atmosfera psico-mental, mas segundo a sua cobertura miasmática, em “antipsóricos” e “apsóricos”, medicamentos capazes ou não de tratarem uma doença crônica não-venérea em sua “causa fundamental”.
O QUE SÃO OS MIASMAS CRÔNICOS?
         Em contraposição à visão excessivamente mecânica da medicina de seu tempo e em vanguarda quanto aos progressos das ciências biológicas que ocorreriam decênios depois, Hahnemann utiliza exaustivamente os termos “não-material” e “dinamicamente”, querendo ressaltar a natureza invisível a olho nu da maioria dos agentes “morbíficos”, dos fenômenos internos do organismo e das influências externas exercidas sobre este, assemelhando-se “à força de um ímã quando atrai poderosamente um pedaço de ferro” ou “como uma criança com varíola ou sarampo transmite à outra que esteja próxima sem que haja contato” (19 – § 11). E toda influência exercida por meios invisíveis é definida como contágio.
         Antevendo o que seria chamado de Farmacodinâmica, afirma que mesmo a ação dos tóxicos e medicamentos em doses ponderáveis se faz no organismo por meios “invisíveis” normalmente – “imaterial” e “dinâmica” (20).
        Percebe-se, nestas breves citações, uma série de fatores hoje ditos  “materiais”, apesar de “invisíveis”, como as moléculas das substâncias, os vírus e o campo eletromagnético. Mas Hahnemannam enumera outros exemplos que ainda nos dias atuais são considerados “imateriais” ou de natureza desconhecida como a ação do medicamento homeopático: no “medicamento dinamizado o mais possível... segundo cálculos realizados, haverá tão pouca substância material que sua pequenez não pode ser imaginada... nem pela melhor cabeça de matemático” (19 – § 11); ou a influência psicológica: “Se você vê algo repugnante e sente vontade de vomitar... não foi, unicamente, o efeito dinâmico do aspecto repugnante sobre a sua imaginação?... quantas vezes já não houve casos de uma palavra ofensiva provocar uma perigosa febre biliosa ou uma profecia de morte ocasionar um falecimento na hora anunciada?” (19 – introdução).
         Miasma, na época de Hahnemann, era “toda causa de natureza contagiosa, aguda ou crônica, imperceptível aos sentidos do observador” (12). Já pelos exemplos apresentados, devemos ter em mente o sentido extenso e multifacetado que o vocábulo miasma da obra hahnemanniana ganha no contexto do homem moderno. Por isso, para cada miasma definido por Hahnemann, precisamos estudar todo o fenômeno descrito como estando associado a ele para que possamos lhe dar a mais justa equivalência dentro do conhecimento contemporâneo, seja este acadêmico ou não.
         Em uma época em que apenas uma doença miasmática crônica era conhecida – a Syphillis (19 – § 79 e 80, 17, 12), Hahnemann consegue identificar três: Syphillis, Sycosis e Psora; deixando, implicitamente, o terreno aberto à descoberta de outros “miasmas crônicos”: “tanto quanto se sabe, segundo todas as investigações, são encontrados apenas três miasmas crônicos... dos quais originam-se, se não a totalidade, a maioria das doenças crônicas” (21, prefácio do quinto volume).  De certa forma, se a extensa lista de diagnósticos nosológicos para as doenças crônicas da atualidade, incluindo doenças infecciosas, demonstra, de um lado, a ânsia científica de a tudo catalogar, comprova, por outro, a necessidade de individualização e discriminação exigidas por Hahnemann e pela realidade da sua descoberta:existência de vários “miasmas crônicos”.
         Todas os miasmas crônicos por ele descobertos se manifestariam, inicialmente, por sintomas locais dos quais derivaram seus nomes.
          A Syphillis tem como sintoma local o cancro venéreo e/ou o bubo. A descrição de Hahnemann do cancro inicial é compatível com o que se reconhece atualmente como cancróide, causado pelo Haemophilus ducreyi: “aparece entre o 7º e 14º dia após um coito... principalmente no membro infectado com o miasma... (como) uma pequena pústula que se transforma em úlcera impura com bordas em relevo e dores aferroantes... se não curada, permanece impassível no mesmo local durante a vida toda... apenas aumentando com o passar dos anos” (21). Após um tratamento exclusivamente local (cauterização, p. ex.), a doença venérea parece curada, mas, logicamente, o fator causal (o miasma crônico) não foi removido; Hahnemann diz ser possível diagnosticar esse estado através das características da cicatriz: “azul, avermelhada ou descolorida”.
        Se não for tratada através de um medicamento interno homeopático, a Syphillis reaparecerá sintomaticamente, normalmente complicada por outra doença crônica. Praticamente todos os achados clínicos listados por Hahnemann nessa última fase são identificados nas diversas manifestações da sífilis, desde a sífilis primária, a secundária, sífilis recidivante e sífilis tardia (15, 60): “úlceras dolorosas e aferroantes das amígdalas; manchas redondas de cor acobreada que escasseiam pela epiderme; espinhas eruptivas que não coçam, principalmente no rosto, com  base vermelho-azulada; úlceras cutâneas indolores no escalpo e pênis, que são lisas, pálidas, limpas, apenas cobertas com muco e quase homogêneas em relação à pele saudável; dores noturnas perfurantes nas exostoses”. “Estes sintomas secundários são tão mutáveis que seu desaparecimento temporário não dá certeza de sua extinção completa” (21). Kent acrescenta a esta lista de Hahnemann sintomas psíquicos e mentais que completariam as manifestações psiquiátricas da sífilis terciária (28).
        Da mesma forma que enfatizará quanto à Psora, também aqui Hahnemann lembra que a permanência do sintoma local inicial não garantia a não progressão do miasma: os sinais da Syphillis complicada surgirão, “podendo o sintoma local ainda estar presente ou ter sido removido por aplicações locais” (21).
        A união que Hahnemann faz do cancróide e da sífilis em uma única doença venérea é facilmente explicada se lembrarmos do Cancro de Rollet, onde há uma infecção concomitante pelo Haemophilus e pelo Treponema e a úlcera genital surge com as características do cancróide, transformando-se, ao longo do tempo, em um típico cancro duro.
        A Sycosis, também chamada “doença da verruga do figo”, inclui, entre seus sintomas locais iniciais, a própria verruga genital característica do Papilomavírus e a “blenorragia sicótica”: “um tipo especial de gonorréia em que a descarga, desde o começo, é mais consistente, como pus... a micção é menos difícil, mas o corpo do pênis está inchado e mais ou menos duro; em certos casos, o pênis também está coberto por tubérculos glandulares na parte posterior e se apresenta muito dolorido ao toque” (21). Na “blenorragia sicótica”, Hahnemann faz uma descrição quase completa do que se conhece hoje por uretrite gonocóccica e suas complicações locais, incluindo a postite e balanopostite, litrites e cowperitis. Não podemos nos esquecer de que, da mesma forma que ocorre com a sífilis e o cancróide, a gonorréia pode surgir associada a outra uretrite não gonocócica – em particular, uretrites por Chlamydia trachomatis.
        Hahnemann não desenvolve muito as manifestações secundárias da Sycosis, o que foi observado até por um de seus mais fiéis discípulos tardios – Boenninghausen (5): “excrescências similares (à verruga do figo) em outras partes do corpo, esbranquiçadas, esponjosas sensíveis, elevações achatadas na cavidade bucal, sobre a língua, palato e lábios” –  Hahnemann parece limitar-se a descrever os locais e as formas possíveis das infecções mucocutâneas pelo Papilomavírus – “tubérculos... marrons e secos nas axilas, no pescoço, escalpo... e outros transtornos... dos quais só farei menção à contração dos tendões dos músculos flexores, especialmente dedos” (21). Esta última parte, muito mais obscura do que a anterior, faz lembrar, pelo menos, quanto às lesões tendíneo-articulares, as manifestações da Síndrome de Reiter, artrite reativa associada à infecção prévia por Chlamydia. Kent reforça essa impressão de, mais uma vez, dois agentes infecciosos fundidos na descrição de um mesmo miasma crônico, quando completa as manifestações tardias da Sycosis com os seguintes achados: morte prematura dos conceptos, esterilidade, perimetrites agudas e crônicas, metrites, ooforites, etc., artrites raramente acompanhadas de grande edema, plantas dos pés muito doloridas, dorsalgia e dores tipo “nervo ciático”, dores lacerantes que correm o trajeto dos tendões, rinorréia purulenta crônica, asma e “estado tísico” e “extrema tensão nervosa e inquietude” (28) – todos sintomas compatíveis com complicações ginecológicas de infecção gonocóccica, sinusite crônica e pneumopatias por Chlamydia sp e Síndrome de Reiter.
        Quanto à Psora, que compreenderá quase 7/8 de todas as doenças crônicas, é importante destacar que o próprio Hahnemann tinha consciência de que estava lidando com um conceito muito mais amplo do que os dois miasmas anteriores e parece mesmo assumir a possibilidade de se tratar não apenas de um fator, mas vários, com manifestações e comportamentos muitos próximos: “Descobri, aos poucos, meios de cura mais efetivos contra esta moléstia original que causou tantas queixas, contra esta moléstia que pode ser chamada pela denominação geral de Psora” (21).
        A variedade dos sintomas locais primários da Psora fortalece essa opinião: sarna; “flechten” com o “comichão peculiar” da sarna (“flechten” é uma palavra alemã que abrangia erupções cutâneas de tipo escamoso/descamante, eczema, líquen, crosta láctea e herpes); tinea capitis e lepra.
        Por que Hahnemann incluiu a sarna nos sintomas primários da Psora, se ele próprio, em 1792, reconhecia o ácaro como sendo a etiologia da sarna?: “A sarna não é congênita; não provém de emanações ou acrimônia do sangue...(mas) um pequeno inseto vivo ou ácaro, que habita o nosso corpo sob a epiderme... é a causa da irritação e seus movimentos de reptação ocasionam prurido. Essa irritação provoca um fluxo de humores que se traduz pelo aparecimento de uma quantidade de vesículas... Essa não é uma opinião adotada a fim de fugir a uma dificuldade, mas trata-se de observação com base na experiência” (17). É possível que Hahnemann, após os anos de experiência homeopática, visse nessas doenças cutâneas a manifestação inicial mesmo de uma doença infecciosa crônica ou um fenômeno para o qual ainda não havia vocabulário adequado – agentes carreadores de outros fatores infecciosos (vetores), como o barbeiro é o vetor do Trypanossoma e o carrapato Ixodes dammini (um “parente” do Sarcoptes scabiei) é o vetor da espiroqueta Borrelia burgdorferi, causadora da Doença de Lyme – uma infecção crônica com sintomas quase tão variados quanto os da sífilis.
        Hahnemann diz que o “miasma psórico” continua a se desenvolver no interior do organismo mesmo enquanto houver o sintoma primário: “Pode-se facilmente imaginar, como também o ensina a experiência, que quanto maior for o número de meses em que uma erupção de sarna negligenciada haja florescido sobre a pele, mais... terá sido capaz a Psora interna, que lhe subjaz, de alcançar, mesmo num período moderado de tempo, um alto e, finalmente, o mais alto grau, cujo tenebroso aumento... se demonstra através das mais perigosas conseqüências, as quais, a expulsão da erupção... enseja em seguida”. Ele chamará de Psora Latente a essa fase em que a “doença crônica não-venérea” cresce interiormente, esteja o sintoma local primário presente ou não. O termo latente não tem, para Hahnemann, o significado de completo silêncio, mas da tolerabilidade  de suas manifestações, que não chegam a prejudicar a vida cotidiana do paciente de maneira muito marcante. A sintomatologia da Psora Latente abrange todos os sistemas orgânicos e compreende um número de, pelo menos, 50 sintomas citados em Doenças Crônicas, os quais, em sua maioria, excetuando a parasitose intestinal, são considerados, atualmente, doenças funcionais ou alérgicas, como lombalgias, síndromes miofaciais, rinite alérgica e rinites crônicas, asma brônquica, dispepsias, migrânias, síndrome do cólon irritável, etc. Essas manifestações podem ser desencadeadas “por emoções desagradáveis” e “são tão múltiplas quantas são as peculiaridades das constituições corporais e do mundo exterior que as modificam” (21). Mais uma vez Hahnemann diferencia o miasma psórico dos fatores psíquicos, constituição e demais fatores ambientais, que modulam a manifestação da psora ou até desencadeiam os seus sintomas (causa occasionalis), mas não são o miasma em si.
        A Psora Desperta e sua infinidade de doenças secundárias, doenças crônicas funcionais ou lesionais que comprometem de maneira significativa a qualidade de vida do paciente e têm a potencialidade de levá-lo à morte, surgem, “tanto em uma criança quanto em um adulto”, quando este experimenta “o oposto das condições favoráveis de vida”: uma febre epidêmica ou doença aguda infecciosa, varíola, sarampo, etc.; grave lesão externa, um choque, uma queda, uma ferida, uma queimadura considerável, fraturas, parto difícil, etc.; depressão por estado de luto importante, melancolia associada a contrariedades, aborrecimentos e mágoas, “esmorecimento da coragem”, etc.; intoxicação alimentar, fome, desnutrição, etc.” Essas  doenças crônicas originam formas individuais em cada pessoa, “segundo a constituição corporal, as falhas na educação, os hábitos, a ocupação e as circunstâncias externas, assim como são modificadas pelas várias impressões psíquicas e físicas...” (21).
        A abordagem hahnemanniana da causa occasionalis e “circunstâncias acessórias” é surpreendentemente exata se considerarmos o ponto de vista da Medicina Psicossomática e da Psicossomática Psicanalítica (2, 3, 7). E a sua descoberta de uma etiologia contagiosa (infecciosa) para praticamente todas as doenças crônicas não-venéreas tem recebido os primeiros passos de aproximação por parte das ciências oficiais nas últimas décadas, tanto quanto à natureza “invisível” destes agentes, quanto à presença de manifestações cutâneas e internas, sua capacidade de causar doenças congênitas e serem transmitidos pelo leite materno, de se inserir no material genético do ser humano, de sofrerem uma exacerbação clínica, após períodos aparentemente silentes, diante de um fator desencadeante específico,  e à sua alta prevalência mundial. Esses agentes hoje reconhecidos pertencem, principalmente, à classe dos retrovírus e DNA vírus, englobando as famílias dos herpes vírus (Herpes simplex, Epstein-Barr vírus, Vírus Varicela-Zoster, Citomegalovírus, etc.), Paramixovírus  (inclui o vírus do sarampo) e os Lentivírus (vírus da leucemia T humana – HTLV-1, vírus da imunodeficiência humana – HIV e os Oncovírus).
        O HTLV-1, p. ex., está associado com linfomas não-Hodking, leucemias, paraparesia espática tropical, polimiosite, uveítes, artropatias e dermatites infetadas (54). O HIV, além de predispor o organismo afetado a uma série de doenças oportunistas, pode produzir um quadro Lupus-like, demência, neuropatias, diarréia crônica, linfadenopatia generalizada crônica, etc.
        O diabetes autoimune humano está associado à infecção crônica pelo Coxsackievírus do grupo B. O parvovírus B19 pode ser um fator causal de doenças reumáticas crônicas, como a artrite reumatóide (30).
        O vírus de Epstein-Barr, causador da mononucleose infecciosa, tem sido associado com a síndrome da fadiga crônica e fibromialgia, hepatite crônica (38), linfoma de Burkitt, doença linfoproliferativa ligada ao X, carcinoma nasofaríngeo anaplásico (52), linfoma de células B em locais de supuração crônica (9), fibrose pulmonar idiopática e pneumonites (31), síndrome de Guillain-Barré, cerebrites e polineurites, uveíte, anemia aplásica, anemia hemolítica, síndrome hemofagocítica, ruptura esplênica, diarréia crônica, miocardites, pericardites, arritmias etc. (60). A família herpesvírus ainda está relacionada com o sarcoma de Kaposi, diversas vasculites, como a Arterite de Takayasu (10), pitiríase rosea (27) e esclerose múltipla. E assim por diante.
Todas estas evidências científicas, se confirmadas, identificarão, no mínimo parcialmente, o fenômeno miasmático psórico observado por Hahnemann, tão combatido e confundido, como infecções virais crônicas.
CONCLUSÕES
1- Hahnemann possuía uma concepção multifatorial do processo de adoecer.
 2- A abordagem hahnemanniana das doenças é uma psicossomática radical, mas que mantém o conceito de causa fundamental da doença natural atrelada a um agente infeccioso, contagioso (miasma). Os miasmas crônicos são entidades independentes da constituição física e das disposições “naturais” do indivíduo e seu caráter.
 3- A perpetuação do sintoma primário de uma doença crônica não impede que a sua causa fundamental continue a se desenvolver e a “minar” o organismo afetado. A evolução da doença só será interrompida quando o agente infeccioso for atacado diretamente e os possíveis obstáculos ambientais e psicológicos forem removidos.
 4- O miasma Syphillis refere-se ao Haemophilus ducreyi e ao Treponema pallidum, podendo, ocasionalmente, no diagnóstico diferencial, incluir o granuloma inguinal e o linfogranuloma venéreo.
 5- O miasma Sycosis está relacionado à Neisseria gonorrhoeae e à Chlamydia trachomatis ou sp.
 6- O miasma Psora parece corresponder ao modelo atual retrovírus e DNA vírus, cabendo aos homeopatas, ao lado dos biólogos ou paralelamente a estes, realizarem pesquisas e investigações clínicas que possam confirmar ou contradizer essas evidências cada vez mais volumosas.
 
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