sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Portugueses recorrem cada vez mais à homeopatia

Bastonário dos médicos diz que há uma lição a tirar do fenómeno homeopático: a medicina clássica desaproveita o poder da mente

Marta F. Reis



O assunto é controverso, mas isso pouco importa para quem se dá bem com os tratamentos.

É o mais recente ataque à homeopatia: os médicos australianos apelaram esta semana a um boicote à venda de produtos homeopáticos nas farmácias, depois de a autoridade nacional de saúde ter concluído que os medicamentos ultradiluídos usados há séculos não são mais eficazes que um placebo, ou seja, fazem o mesmo que água com açúcar se se estiver convicto de que isso funciona. Parece uma investida inequívoca, mas o assunto está longe de estar resolvido. Há três anos, na Suíça, um relatório da agência federal de Saúde Pública concluiu precisamente o contrário, o que levou o governo a aprovar a inclusão da homeopatia no sistema de saúde. Outros países como Alemanha e França também comparticipam os tratamentos.

Mais de 200 anos depois de o médico alemão Samuel Hahneman ter proposto a homeopatia, há um facto incontornável: o assunto é controverso, mas para quem utiliza e consegue resolver os seus problemas de forma satisfatória, isso pouco importa. Se o preço é muitas vezes um motivo de queixa, nem a crise abalou a procura. Dados fornecidos ao i pela consultora IMS-Health revelam que a venda de preparados homeopáticos aumentou 60% desde 2010, um negócio que não perfaz, contudo, meio milhão de euros por ano e consistiu em 2014 na dispensa de 80 mil embalagens. Já dados do Infarmed apontam para um mercado muito maior, com a venda de 347 mil embalagens em 2014.
placebo ou efeito real? Apesar de os números serem díspares, percebe-se que num país com dez milhões de habitantes os utilizadores serão uma minoria. Serão os resultados fruto de mecanismos psicológicos ou de propriedades das substâncias tomadas? Os defensores da homeopatia não têm dúvidas: cada vez há mais estudos que recorrem a técnicas avançadas da investigação científica para solidificar explicações como a “memória da água”, que assenta na ideia de que agitando uma substância em quantidades mínimas, muitas vezes surgem estruturas novas nas moléculas da água que têm um efeito no organismo. Os cépticos questionam a validade dos estudos que atribuem eficácia à homeopatia, que acusam de não mostrar superioridade face ao tal efeito placebo. E apesar de alguns médicos se terem convertido à homeopatia, em Portugal continuam a ser grandes as resistências na classe.

Desde 2003 existe em Portugal uma associação de médicos que utilizam também a homeopatia, a Associação Médica Portuguesa de Homeopatia. Contestam o exercício da homeopatia por terapeutas que não tenham o curso de Medicina e em 2013 pediram à Ordem dos Médicos a criação de uma competência de homeopata, como existe noutros países como Áustria ou Alemanha. Ainda não tiveram resposta, mas José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, adiantou ao i que o conselho directivo já se debruçou sobre a matéria e o parecer é negativo. “Consideramos que não há fundamentação científica que o justifique. Mais de 200 anos depois continua a haver uma profunda controvérsia, o que significa que as bases não são consistentes e não podemos ter duas moedas, uma para os medicamentos convencionais, que só são aprovados se fizerem mais que o placebo, e outra para os homeopáticos”, diz o bastonário, que pessoalmente diz ter muitas dúvidas sobre teorias como a da “memória da água”.

Quando ao pedido de que apenas médicos pudessem exercer a homeopatia, a ordem até está de acordo se for encarada como uma estratégia psicológica com vista ao bem-estar, mas aqui o desfecho foi noutra direcção. Em 2013 foi publicado um diploma que vai regulamentar as terapêuticas não convencionais e aguardam-se portarias específicas por área. Não será exigido o título de médico para exercer nenhuma das terapias alternativas, mas sim um curso equivalente a licenciatura na área pretendida. Actualmente, a Associação Portuguesa de Homeopatia, a mais antiga do país, conta com mais de 140 profissionais credenciados que continuarão a poder exercer mesmo sem curso de Medicina. Todos terão de ter uma célula profissional e estarão obrigados a ter registos clínicos como os médicos, podendo ser responsabilizados por erros.
Mentalidades José Manuel Silva considera a mudança positiva e acredita que isso levará também a uma mudança de mentalidade dos doentes. “Hoje não exigem da homeopatia a mesma eficácia que da medicina clássica e não se queixam quando corre mal, também por vergonha”, diz. Também António Pimenta Marinho, médico de família em Braga, diz que já viu doentes adiarem tratamentos importantes por irem primeiro à homeopatia. “Por vezes, o desespero é tão grande que tira alguma lucidez. Não o fazem por mal, mas o resultado não é bom”, diz. O médico diz que são poucos os utilizadores, mas há cada vez mais a ideia de que os produtos naturais “nunca fazem mal e fazem bem a tudo”, o que está errado.

Procurar informação e ter abertura para falar com os médicos caso se esteja a usar homeopatia é o conselho dos especialistas, até porque pode haver interacções entre medicamentos. José Manuel Silva admite, ainda assim, que há uma lição a tirar da abordagem homeopática: “Uma das pechas da medicina clássica é ser excessivamente científica e não usar o recurso à fé das pessoas”, diz, sublinhando que para isso há fundamento científico. “A parte psíquica é muito importante em qualquer tratamento e não tenho dúvidas de que se alguém procura a homeopatia por acreditar que vai vencer, se sinta melhor e até prolongue a sua vida. Há estudos que mostram que a mortalidade dos judeus é menor no sabbath e na Páscoa, porque querem viver estas épocas.” Também Gabriela Sousa, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, diz não se opor a que os doentes usem homeopatia, desde que informem e a encarem como um complemento aos tratamentos, e nunca como cura milagrosa. “É uma estratégia para andarem emocionalmente mais fortalecidos, e isso não podemos ignorar.”